Como vocês lêem abaixo, houve duas maiorias naquele famoso julgamento: uma favorável à extradição de Battisti e outra afirmando que Lula é, sim, obrigado a entregar o italiano à Justiça de seu país. Alguma surpresa para os leitores deste blog? Bem, queridos, vocês sabem que não. Transcrevi aqui no dia 25 de novembro o voto de Eros Grau. Transcrevo um trecho daquele post, entre asteriscos, com as cores que empreguei naquele dia. vejam aí. Volto depois:
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Ao votar, na prática, Eros se alinhou com aqueles que diziam que Lula deveria, sim, seguir a decisão do Supremo. Mas “deveria” à luz do quê? À luz do Tratado de Extradição que existe entre Brasil e Itália.
Ora bolas, esse foi o voto do relator, Cezar Peluso: o presidente decide segundo o tratado. Portanto, se Eros não tivesse mudado de idéia em cena aberta, não caberia dúvida sobre o resultado da votação: 5 a 4 pela obrigatoriedade da extradição. Mas Eros, vênia máxima, protagonizou um papelão e, coisa inédita na história do Supremo, deu uma espécie de segundo voto reformando o primeiro com um intervalo de cinco minutos entre um e outro. Estou forçando a mão? Eu não! Eu provo. Leiam. Volto em seguida:
GRAU: (…) eu diria que a questão não deve ser colocada em termos de a decisão desse tribunal, a respeito de pedido de extradição, obrigar ou não o presidente da República. Há de ser postulada no quadro do Tratado de Extradição celebrado entre o Brasil e a Itália, tratado aprovado pelo decreto 863/93, que há de ser interpretado à luz da Constituição. Ao Supremo Tribunal Federal cabe processar e julgar, originariamente, a extradição solicitada por Estado estrangeiro (…) Lê-se na ementa da Extradição 272, relator o Ministro Victor Nunes Leal, o seguinte: ” Extradição – a) o deferimento ou recusa da extradição é direito inerente à soberania. b) A efetivação, pelo governo, da entrega de extraditando, autorizada pelo Supremo Tribunal, depende do direito internacional convencional”.
No voto que então proferiu, o Ministro Victor Nunes Leal observou: “Mesmo que o Tribunal consinta na extradição – por ser regular o pedido -, surge outro problema, que interessa particularmente ao Executivo: saber se ele está obrigado a efetivá-la. Parece-me que essa obrigação só existe nos limites do direito convencional, porque não há, como diz Mercier, ‘um direito internacional geral de extradição’. Tem-se bem claro, aí, que o Supremo Tribunal Federal autoriza, ou não, a extradição. Há de fazê-lo, para autorizar ou não autorizar a extradição, observadas as regras do tratado e as leis. Mas quem defere ou recusa a extradição é o Presidente da República, a quem incumbe manter relações com Estados estrangeiros (…) Daí que o Presidente da República está ou não está obrigado a deferir extradição autorizada pelo Tribunal nos termos do Tratado”.
(…)
PELUSO: Ministro, eu não tenho nenhuma restrição ao pensamento de Vossa Excelência.
GRAU: Como?
PELUSO: Não tenho nenhuma restrição; concordo integralmente.
(…)
GRAU: Voto nesse sentido, para afirmar que o que obriga o Presidente da República é o Tratado de Extradição, sim, celebrado entre o Brasil e a Itália, e retorno, por isso ao voto do Ministro Victor Nunes Leal: mesmo que o Tribunal consinta na extradição – por ser regular o pedido – a obrigação, do Executivo, de efetivá-la, “só existe nos limites do direito convencional”.
(…)
PELUSO: Senhor Presidente, o meu voto, evidentemente, em nenhum momento diz que a extradição deve ser executada em desconformidade com o Tratado. Antes, o meu voto é muito claro, em que a extradição será executada nos termos do Tratado. Então, o voto do eminente Ministro Eros Grau em nada difere do meu voto.
Peluso estava certo. Quando afirmou que Lula teria de seguir a decisão do Supremo, deixou claro que era justamente à luz do tratado — e disseram o mesmo os três outros ministros que seguiram o seu voto. Logo, Eros era o quinto. O que estava em causa ali não era se Lula tinha ou não de “obedecer” o Supremo. Até porque tal questão é absurda. Todos estão submetidos à Justiça — inclusive o presidente. Noto ainda que, em seu voto, o próprio ministro Gilmar Mendes havia citado o mesmo Victor Nunes Leal.
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Voltei
Como vocês vêem, ao retificar a proclamação, o Supremo seguiu os passos que este escriba havia percorrido em seu post. E quem me auxiliou foi Eros Grau. Decidi me apegar ao que ele havia votado. Do modo como haviam ficado as coisas, era impossível até mesmo redigir um acórdão. Afinal, um presidente pode muita coisa. Mas só pode dentro da lei, não fora dela.
Reitero: é estúpida a questão se Lula “é obrigado” ou não a seguir a decisão do Supremo. A rigor, quanto expressão da Justiça, todos somos — Lula também. A questão não é de subordinação ao tribunal, mas de subordinação à lei. Lula é obrigado a se submeter ao tratado de extradição. Ou, então, tem de denunciá-lo, mas casos futuros. Neste, não dá mais.
Há uma saída para não entregar Battisti? Até há: o presidente brasileiro pode alegar que a Itália não tem condições de garantir a segurança do rapaz. Não acredito que se possa chegar a tal absurdo.
Perdeu, terrorista!
Perdeu, Tarso Genro!
Ganharam a democracia e a civilidade.
Os petralhas vivem rosnando, sem nunca arredarem o pé daqui: “Você não é repórter”. É, quase nunca faço reportagem e tenho grande respeito por quem faz. Este blog é craque em dar sucessivos furos de enfoque. E não é raro que, por isso, chegue antes à verdade. Como provam os fatos.