Entrevista de Luiz Gonzales ao Valor de ontem, expondo a estratégia de campanha do candidato José Serra. Importante por mostrar que a experiência jornalística vale mais do que a visão do marqueteiro tradicional.
Em linhas gerais, a estratégia de Gonzales será a seguinte:
1. A polarização será entre Serra e Dilma, diz ele. O primeiro ponto será comparar a biografia do cara (José Serra) com “aquela mulher” (Dilma Rousseff), tirando o caráter plebiscitário das eleições.
2. O ataque à Dilma seguirá o roteiro que já vem sendo cumprido religiosamente pela mídia: focar na sua biografia (certamente realçando a vida guerrilheira), na sua rispidez no trato com as pessoas e colocando em dúvida sua eficiência na condução do PAC. É curioso, porque a marca pessoal mais óbvia de Serra é a rispidez no trato com pessoas e subordinados.
3. Do lado de Serra, a campanha ira focar sua biografia política e as obras que lançará no próximo ano, visando reforçar a imagem de bom gestor.
4. Em relação a Ciro Gomes, a tendência será de minimizar seu papel. Gonzales retoma o mote de “nanico” para se referir a Ciro, já utilizado por Serra. Aliás, para quem conhece intimamente o governador, essa retórica de desqualificar o adversário minimizando-o foi repassada – e seguida religiosamente – para os dois parajornalistas da Veja incumbidos por ele de fuzilar seus adversários.
5. Embora não contemplada na entrevista, provavelmente se levantará a tese da infiltração petista na máquina pública, que tem bom apelo junto a uma parte do eleitorado classe média.
6. Há uma estratégia que Gonzales não explicitada, mas que seguramente será empregada a granel nessa campanha: a criação de dossiês, verdadeiros ou falsos, pouco importa, a serem exaustivamente utilizados pela mídia partidária.
A contra-ofensiva
Como o jogo ainda não foi combinado com os adversários, vamos tentar avaliar como se comportarão os russos em campo.
Em relação às estratégias pró-Dilma:
1. Pelas conversas que tenho com diversos setores (especialmente saneamento e habitação), vencidos os obstáculos ambientais e de falta de projetos (no caso do saneamento) e acertados os contratos de financiamento (no caso do habitacional) 2010 será o ano de vôo de cruzeiro. Há inúmeras obras a serem mostradas; e inúmeras obras que não sairão do papel. Cada lado puxará a brasa para sua sardinha.
2. Desfazer a imagem de Dilma guerrilheira, autoritária e mentirosa será desafio menor. Ao contrário de agora, haverá tempo na campanha gratuita para mostrar mais o lado pessoal de Dilma. Quanto à gestora, provavelmente será apresentada como alguém que ajudou a conferir ao governo Lula o pique administrativo que lhe faltava e a lançar o país no mundo.
O segundo desafio será desconstruir a imagem criada pela mídia para Serra: a do gestor competente, preocupado com a responsabilidade fiscal, defensor do mercado e do social (por conta das recordações da atuação na Saúde).
Há uma obra relevante de Serra parlamentar, mas de baixa eficácia popular. Já seu trabalho no Ministério da Saúde tem apelo concreto. Será difícil para a contrapropaganda atacá-lo, mesmo porque algumas das heranças de sua gestão (envolvimento de assessores diretos com as máfias da Saúde) prosseguiram no governo Lula.
Assim, a discussão sobre sua eficiência administrativa se concentrará na avaliação de sua gestão como governador de São Paulo que até agora tem sido magnificamente blindada pela mídia.
Serra vestiu o figurino político que era de Paulo Maluf (vendendo a ideia de bom administrador, preocupado apenas com grandes obras e medidas populistas-conservadoras visando sensibilizar a classe média), porém fiscalmente responsável e ainda sem os escândalos de Maluf.
Seus calcanhares-de-Aquiles:
1. No campo das obras, deixará incompleta grande parte da sua vitrine: as obras viárias. Enfrentou os mesmos problemas do PAC – demora em licenciamento ambiental, falta de planejamento para as desapropriações. De certo modo, a exposição desses problemas amenizará as críticas quanto à morosidade do PAC. Além disso, os adversários mostrarão a participação de recursos federais nas obras paulistas.
2. O Serra bom administrador é lembrança do passado – especialmente na Secretaria da Fazenda de São Paulo, na atividade parlamentar e na parte visível de sua atuação na Saúde. Na Prefeitura e no Estado (que são realidades administrativas mais complexas) é nítida a fragilidade administrativa de Serra, incapacidade de enxergar gestão além das obras. Recorre a métodos arcaicos de administração, não aprendeu a trabalhar em gestão colegiada ou em processos, não inovou uma prática administrativa sequer (com exceção do governo eletrônico), nos seus discursos parece não ter idéia sobre o que está sendo feito por seus secretários. Agindo assim, foi incapaz de mobilizar a Europa brasileiro para um projeto moderno de desenvolvimento. Mas são temas para públicos especializados, assim como o estilo autoritário e centralizador do governador. Provavelmente a crítica mais eficiente será sobre a falta de cara do governo Serra.
3. O aparelhamento da máquina estadual por quadros do PSDB nada fica a dever aos quadros federais pelo PT. E os esquemas com fornecedores são mais amplos e arraigados, já que o PSDB está há mais anos em São Paulo, onde é poder hegemônico e homogêneo – sem a heterogeneidade da administração federal. Aliás, apenas no governo Alckmin abriram-se brechas para fornecedores de fora do esquema, muito mais pela falta de experiência de gerenciamento político de Alckmin. Mesmo assim, é uma realidade difícil de ser descrita na propaganda pela TV. Provavelmente a Internet cumprirá esse papel de disseminador desse lado do Serra, poupado pela mídia convencional.
4. O ataque maior deverá se concentrar na falta de sensibilidade social do governo Serra, associando-o ao governo FHC. Essa tarefa será facilitada pela perda de identidade do PSDB, que, mesmo depois de Serra e Aécio governadores, andou à reboque da supina vaidade de FHC. Hoje é um partido tão dependente de FHC quanto o PT de Lula. Só que Lula tornou-se Ás de Ouro e FHC terminou mico.
Nesse particular, será uma campanha engraçada: os marqueteiros do PT jogando FHC no colo de Serra; e os marqueteiros de Serra espanando e gritando “tira esse mico daqui”.
Nessa linha, haverá profusão de elementos, como a crise na segurança paulista, os indicadores de educação, a falta de políticas sociais eficientes, a demora em aderir ao programa habitacional do governo federal, a venda da Nossa Caixa, o preço dos pedágios. Como demonstrou Alckmin em sua campanha, a venda de empresas públicas ainda recebe avaliação negativa dos eleitores.
5. A imagem do Serra desenvolvimentista poderá ser atacada mostrando a lentidão exasperante para adotar medidas anti-crise. Enquanto o governo federal reduzia o IPI para manter a economia funcionando, Serra implantava a substituição tributária, aumentando a arrecadação paulista em detrimento da federal (bancada por contribuintes de todos os estados, incluindo São Paulo). Ou seja, foi “esperto”, em um momento que exigia solidariedade.
6. A imagem do Serra decidido poderá ser confrontada com dois vacilos imperdoáveis: a greve na USP e da Polícia Civil. Nos dois casos, sua insegurança permitiu com que a crise extrapolasse até o conflito físico. Depois, recuou rapidamente da intransigência inicial, mostrando fraqueza. Nos dois tempos, incapacidade de administrar conflitos. Aliás, a perspectiva de quatro anos de guerra, com Serra eleito – com movimentos sociais, com críticos, com setores não alinhados – é um fantasma que atormenta todos os que testemunharam a paciência e habilidade políticas de FHC e Lula. Mas provavelmente não terá apelo eleitoral.
7. A imagem do Serra responsável com as contas públicas deverá ser combatida de várias maneiras: os gastos exorbitantes com propaganda; as compras de assinaturas e material didático de empresas jornalísticas aliadas; a venda de ativos públicos para pavimentar suas obras; o avanço sobre receitas futuras (como a venda de dívidas ou da folha de pagamento dos funcionários).
8. Em relação a escândalos e dossiês, antes da Internet havia mais espaço para Serra atuar nessa área. Mesmo assim, o caso Lunnus (contra Roseana Sarney) afetou sua imagem junto a setores formadores de opinião. De qualquer modo, com o combustível eleitoral, tapiocas e mensalões tendem a ser desenterrados, mas dos dois lados. Assim como na área federal, há um bom estoque de escândalos a serem explorados na área estadual. No caso dos escândalos contra o governo, explorados pela mídia aliada de Serra; dos escândalos contra Serra, ou através da Internet ou de candidaturas auxiliares.